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A Dra. Denise Tibério fala sobre as necessidades da Odontogeriatria e a falta de campanhas de prevenção

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Quando uma pessoa idosa chega a um consultório e o dentista diz que vai ensiná-la a escovar os dentes, assusta. Afinal, depois de décadas de vida, fica parecendo que ela não sabe o básico, aprendido em casa na infância.

É isso mesmo, a maioria não sabe.

A verdade é que muitos brasileiros que já passaram dos 60 anos viveram a maior parte da vida sem entender que a boca envelhece tanto quanto os demais órgãos do corpo. Por isso precisa de prevenção e cuidados que vão mudando com o passar do tempo. 

Hoje, 25 de outubro, é o Dia do Dentista e Dia Nacional da Saúde Bucal, em alusão aos primeiros cursos de graduação em odontologia em nosso país. O Brasil tem mais de 441 mil dentistas, sendo deles cerca de 149 mil como especialistas e destes somente 283 titulados como Odontogeriatras, segundo o Conselho Federal de Odontologia. 

Para saber mais sobre como esses profissionais da saúde podem contribuir para melhorar a qualidade de vida no envelhecimento das pessoas, o Jornal da 3ª Idade conversou com a Dra. Denise Tiberio, uma das pioneiras da Odontogeriatria no Brasil, uma das primeiras profissionais a oferecer atendimento domiciliar para idosos, que atualmente divide suas horas de consultório com a coordenação do curso de Odontogeriatria do Instituto de Ensino do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Jornal da 3ª Idade – As gerações com menos de 40 anos já foram criadas com fluoretação na água do abastecimento público e nas pastas de dente. Para os 60+, esse foi um cuidado reservado para poucos. O que isso representou no processo de envelhecimento? 

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatraA geração que nasceu em meados dos anos 30 é aquela que hoje está na casa dos noventa anos. Elas cresceram e viveram sem flúor na água. Pode-se dizer que as três gerações subsequentes se formaram assim. Existia uma cultura que acreditava que envelhecer era sinônimo de perder os dentes. O dentista era um profissional que só extraía os dentes que iam ficando com problemas. As pessoas não tinham noção de higiene bucal e só restava o conformismo. Essas gerações estão vivas. 

Os que nasceram em 1935 têm 90 anos. A grande maioria é desdentada. Com a evolução da ciência, foi-se fazendo um trabalho preventivo, em que a restauração, conhecida como obturação grande, era uma maneira de prevenir. Coroas totais, pivô, eram as formas de prevenir, até o começo dos anos 1970, que foi na época que eu me formei.

A falta de orientação para as pessoas aprenderem a fazer a higienização correta fez com que desse cárie em volta da restauração e em envolta da coroa colocada. Dessa maneira, só postergou a perda do dente.  Não se falava de prevenção, de higiene, de fortalecimento de dentes. Quando as políticas públicas para o uso do flúor começaram amplamente em 1988, alcançou a geração que hoje tem mais ou menos 40 anos. Essa população está envelhecendo com o dente mais forte, no entanto, com a tendência de enfrentar outro problema, que é a doença periodontal, que é a inflamação crônica da gengiva. Se não tiver um trabalho sério de prevenção, num futuro, nós vamos ter muitos idosos com doenças de gengiva.

Jornal da 3ª Idade – O Brasil é o país com maior número de dentistas do mundo, mas também o que tem o maior número de desdentados. Como mudar isso?

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatraTemos que pensar que, dependendo da idade do paciente, 60, 70, 80, 90,ele terá característica diferente de saúde bucal. Por quê? Porque depende de como foi sua boca foi cuidada e do tipo de odontologia que usa hoje.

De maneira geral, nos atendimentos públicos, a prevenção não é feita para adultos, quase sempre só para gestantes e crianças. Para as pessoas idosas, praticamente nada. Precisa ser feito, porque o idoso tem dentes diferentes, gengiva diferente. Não adianta usar o mesmo modelo feito para as crianças. Numa escola, é possível fazer uma palestra de prevenção para 30 crianças. Para os idosos, não funciona assim. A maioria já tem perdas de audição e isso compromete o entendimento. Para as pessoas idosas, esse ensinamento tem que ser muito mais individualizado. Porque ninguém envelhece igual. Diferente da criança,  que nos aspectos gerais, vai crescendo igual. Então existe uma certa padronização na forma de ensinar.

Com os idosos, não. Quando se vai ensinar a escovar da forma correta, tem que entender que a pessoa já não tem força, não tem mobilidade, não consegue segurar a escova direito. Uns não enxergam, outros não escutam. Tudo isso tem que ser pensado quando se fala com os idosos. A troca da escova de dente, depois de um tempo, ainda é um luxo no Brasil. Tem gente que mal escova uma vez por dia. Em muitas famílias pobres, a escova de dente é coletiva.

Jornal da 3ª Idade – Há uma década, a senhora, num Congresso de Saúde, disse na sua palestra que tanto cuidadores como profissionais de saúde, de uma maneira geral, não colocavam o exame clínico da boca entre as prioridades no atendimento aos idosos. Isso mudou? Como está o cuidado com os idosos do ponto de vista da Odontogeriatria?

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatra Aconteceram alguns avanços, mas muito poucos em relação à velocidade do envelhecimento da população. Por exemplo, teremos de agora em diante cada vez mais Instituições de Longa Permanência para as pessoas idosas e quase todas elas não fazem um trabalho de capacitação odontológica no seu funcionário cuidador.

Em geral, a cuidadora atende sete idosos e não sobra tempo para uma escovação devagar. Ela tem que ter uma luz para enxergar dentro da boca. Não tem. Ela pega a escova de dente e a deixa na pia sem esterilizar; assim, as bactérias permanecem e, quando voltar a escovar o idoso, os bichos voltam para dentro. Isso é uma infecção cruzada. Como acabar com isso? Com orientação de um profissional que saiba que aquela gengiva é mais friável, que racha mais fácil, pode ferir, sangrar e doer.

Se sangrar, vai desenvolver bactérias mais virulentas, mais patogênicas. Essas bactérias caem na circulação, começam a complicar a diabetes, a pressão, a artrite. Atualmente, estão relacionando a doença de gengiva com todas as doenças que têm os mais idosos.

A prevenção dos idosos acamados, ou institucionalizados, começa numa capacitação dos profissionais que os atendem. Não é a realidade na maioria das instituições. Entre as várias atualizações que estão sendo feitas no Estatuto da Pessoa Idosa é necessário incluir a saúde bucal como um direito específico da população.

Jornal da 3ª Idade – Os médicos mandam os idosos comerem mais proteína, mas com problemas na boca não fica difícil?

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatra – Sem prevenção e cuidado, cada vez mais a proteína vai ficar restrita a ovo. Como é que mastigam, se hoje 90% dos institucionalizados já não tem dente?

Jornal da 3ª Idade – As pessoas idosas com mais poder aquisitivo estão buscando fazer implantes. Quais os cuidados que esse tipo de procedimento exige para as pessoas idosas?

Livro de autoria da Dra. Denise Tibério sobre como tratar o paciente portador da Doença de Alzheimer.

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatraOs pacientes de classe média que fazem implante precisam ficar ainda mais atentos à escovação e à manutenção dos cuidados na boca. A literatura profissional já aponta que os bichinhos que ficam em volta do implante são diferentes do que ficam em volta do dente.O titânio é outro tipo de bichinho, mais virulento.

Nas ILPIs que atendo, cada vez tem sido mais comum ter que internar para tirar os implantes. Por quê? Ninguém limpou direito e infeccionou. Para fazer um implante, é preciso uma radiografia, às vezes uma tomografia. Precisa saber se a qualidade da sua gengiva vai permitir. Não se deixem enganar com essas promessas miraculosas de entrar num consultório desdentado e sair com a boca cheia de dentes. Se você plantar uma árvore num buraco hoje, acha que vai ser possível começar a se pendurar nela imediatamente? O implante, para dar certo, precisa ser planejado para durar. É preciso criar osso para segurar o implante, como na árvore. Então é obvio que dá para mastigar imediatamente.

Jornal da 3ª Idade – A indústria está evoluindo na criação de novos materiais para a odontologia das pessoas idosas?

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatra – Sim e com muitas coisas boas, mas todas muito caras, inacessível para a maioria da população. Já existem pastas de dente que recuperam o esmalte dos dentes usando uma vez por semana, só que custa R$200,00 o tubinho. Mesmo coisas mais simples como a própria escova já tem com modelagem necessária, como cabos mais curtos e mais grossos, mas também muito caras. Então para a nossa realidade o mais próximo e tangível é o trabalho de prevenção.

Jornal da 3ª Idade – Quais são as doenças da boca que mais acomete as pessoas idosas? Por que as pessoas voltam a ter cáries na terceira idade?Por que pessoas idosas têm muito sangramento na gengiva?

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatraCrescem os casos de pacientes oncológicos que estão em tratamento. Esses têm que ter um acompanhamento diferenciado. Quem passa por radioterapia ou quimioterapia precisa de uma manutenção diferente. As medicações já mudam o paladar das pessoas. A produção de saliva tende a ser menor em idosos, o que chamamos de xerostomia. A saburra lingual é uma camada esbranquiçada ou amarelada na língua, causada pelo acúmulo de bactérias, muco, restos de alimentos e células mortas, que precisam ser removidas. Sem o acompanhamento odontológico certo a pessoa idosa perde o paladar e aí ou deixa de comer ou começa a colocar mais sal e açúcar na comida. A consequência é o aumento da pressão e da diabetes. A maioria dos cuidadores não sabem disso. Em tudo voltamos sempre para a escovação correta e a prevenção. 

Jornal da 3ª Idade – São poucos os dentistas de Odontogeriatria. O que os profissionais que não são especializados devem fazer ao atender pessoas idosas?

Prof.ª Dra. Denise Tibério, odontogeriatraInfelizmente a maioria das pessoas vão envelhecer doentes, sem dinheiro para pagar convênio médico particular e cada vez mais dependendo do SUS. A maioria com doenças sintomáticas, mas silenciosas. Isso é um perigo. 

Se o dentista não tiver conhecimento das doenças prevalentes, de olhar o ser humano como um todo, além só da boca, a pessoa idosa vai ser prejudicada. Hoje na clínica  atendi um idoso que estava com pressão de 20 por 16. Essa pessoa tem que ser encaminhada para o pronto socorro na hora. O dentista precisa saber que tipo de anestesia quem tem pressão alta pode receber. Tratar o paciente idoso é muito diferente de tratar o paciente adulto. 

O atendimento domiciliar será cada vez mais necessário e com a maioria dependendo do SUS temos que ter campanhas e políticas públicas que atendam às pessoas idosas.