A pandemia atual fez com que o mundo deixasse de comemorar em 2021, com o devido brilho, uma das descobertas científicas mais importante de todos os tempos: os 100 anos da descoberta da insulina, responsável por garantir o direito à vida para milhões de pessoas em todos os países.
Certamente perdemos uma grande chance de estampar em muitos eventos o outro tipo de pandemia silenciosa que cresce nas sociedades atuais, sem alarde imediato, mas que é tão perversa. Estima-se que só no Brasil existam mais de 12 milhões de pessoas diabéticas, de todas as idades. Como muitas continuam engordando muito e se alimentando errado, a previsão é de que em 2050, cerca de 30% dos adultos sofram da Diabetes. Nos idosos a proporção poderá chegar a 50%.
Atualmente ser uma pessoa diabética ainda exige bastante disciplina, acesso aos medicamentos, controle de alimentação e atividade física, mas há décadas ser portador da doença era quase uma sentença de morte.
Ser uma idosa hoje de 90 anos, com uma vida normal, gostando de viajar, bastante antenada com as tecnologias atuais, curtindo a família é uma realidade que chegou parecer impossível, para Carmem Wills, que é diabética há mais de 70 anos.
Ela é a pessoa Diabetes Tipo 1 mais longeva do Brasil e a única personagem idosa do livro 100 Anos de Insulina: A Descoberta Que Salva A Vida De Milhões de Pessoas, escrito pela jornalista paulista Letícia Martins, com renda revertida para projetos com diabéticos.
Para saber como ela viveu desde a adolescência, quando no Brasil as possibilidades de tratamento ainda eram muito precárias, até chegar hoje como “garota propaganda” de vida bem sucedida de uma portadora da doença, o Jornal da 3ª Idade conversou com Carmem Wills.
Jornal da 3ª Idade – Quando a senhora descobriu que era portadora de diabetes, qual era a forma de tratamento disponível?
Carmem Wills – Fiquei sabendo em 1950, quando tinha 19 anos e estava fazendo o Curso Científico, que terminei com muita dificuldade, porque passava muito mal. Recebi com um susto, como acontece com todas as pessoas que recebem o diagnóstico. Felizmente eu não encontrei muito preconceito. Na verdade, as dificuldades estavam nas formas de controle da época.
Jornal da 3ª Idade – A senhora se tratou desde o começo em São Paulo?
Carmem Wills – Sou catarinense e tinha ido para o Rio de Janeiro para estudar. Comecei a fazer o tratamento lá e me casei três anos depois de descobri ser portadora. Meu marido, alguns anos mais tarde, veio transferido para São Paulo e desde os anos 60 estou aqui. Hoje estou viúva e moro com uma filha solteira. A outra casou, teve um casal de filhos e já tenho dois bisnetos. O maior problema, no começo, foi não ter com quem trocar informações.
Jornal da 3ª Idade – Como era o tratamento da diabetes há 70 anos?
Carmem Wills – Quando fiquei sabendo, ainda muito jovem, só conheci duas pessoas que também tinham a Tipo 1. Hoje são milhões de pessoas que nascem com essa doença, mas o ruim são as milhões que adquirem sem necessidade, somente devido aos maus hábitos. No meu tempo não existia ainda seringa plástica, elas eram de vidro que exigia muita esterilização com fervura. As agulhas eram grossas e era impossível fazer um controle de forma doméstica. Tinha que ir ao hospital ou ao laboratório. Eu ia para o hospital uma vez por mês para fazer o exame de sangue. Em função disso, as complicações se tornaram recorrentes.
Jornal da 3ª Idade – Como era a alimentação para quem tinha a Diabetes?
Carmem Wills – Não existia nada Diet e também não existia adoçante. O que existia, sem muita facilidade, era a sacarina, que era um pó branco. Eu preferi tirar o açúcar e me acostumei. À medida que iam aparecendo as coisas eu procurava me atualizar e ia me adaptando. Tive sorte também porque a minha irmã mais velha era enfermeira e foi quem trouxe para o Brasil o conceito de Nutrição (Lieselotte Hoeschl Ornellas). Então eu tinha uma orientação privilegiada dentro de casa. Minha irmã morreu com 99 anos e sempre creditou sua longevidade devido à alimentação.
Jornal da 3ª Idade – Como foi a sua trajetória do primeiro glicosímetro até as bombas sofisticadas de insulina de hoje?
Carmem Wills – Hoje parece que foi tudo muito rápido, mas o primeiro glicosímetro só chegou nos anos 70 e tinha o tamanho de uma caixa de sapato, precisava de seis pilhas grandes. Os aparelhinhos de hoje quase somem na palma da mão, podem ser utilizados muitas vezes no mesmo dia e os resultados são imediatos. Aprovo tudo que aparece, procuro conhecer, mas os novos aparelhos têm chegado com preços muito altos. Tenho recursos para adquirir, mas na minha idade estou confortável com o que uso, então não pretendo mudar agora. Uso a “canetinha” e estou bem. As novas bombas são muito úteis principalmente para crianças que tem agilidade com os jogos eletrônicos e fazem os cálculos rapidamente. Hoje estão usando a insulina para aspirar e testar a insulina oral. Muita coisa nova deve surgir em breve. Estou usando o sensor no braço, que evita que eu precise furar o dedo a qualquer hora.
Jornal da 3ª Idade – Com a sua vitalidade, o que a senhora recomenda para as pessoas idosas?
Carmem Wills – Controlar alimentação e fazer exercícios. É uma receita simples e antiga. Os idosos deveriam tirar as gorduras, as comidas pesadas, o excesso de carboidratos e carregar nas saladas e verduras. A minha Diabetes é tipo 1, uma doença autoimune, mas muita gente adquire e se transforma em Tipo 2. Até há alguns anos andava de bicicleta e jogava voleibol. Hoje faço Pilates e Hidroginástica. Parei na quarentena e estou louca para voltar. Isso é uma receita para toda a vida. Tive problemas sérios de saúde há 20 anos e mesmo com a Diabetes consegui superar.
Jornal da 3ª Idade – Então a longevidade da família se deve a alimentação saudável e aos exercícios?
Carmem Wills – Também, junto com otimismo, alegria e vontade de viver.