O Censo 2022 continua sendo fonte de polêmicas.
Muito já se discutiu sobre os atrasos causados pela falta de apoio político da última gestão do governo federal, sobre as divergências na comunicação que apontam que a coleta de dados poderiam ter recebido uma campanha maior e das dúvidas que surgiram após as primeiras divulgações. Agora o recorte revelado sobre o envelhecimento da população está sendo questionado.
Desde a sexta-feira passada, 27/10, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os indicadores a partir dos 65 anos, registrando uma alta expressiva (57,4%) no número de pessoas idosas entre 2010 e 2022, que estudiosos da área reclamam nas suas redes sociais.
O Estatuto da Pessoa Idosa, a Lei 10.741 que sintetiza as leis voltadas para os mais velhos no Brasil, considera que é a partir dos 60 anos que se estabelece o conceito de pessoa idosa. Por isso, se esperava que os dados do IBGE envelhecimento viessem com esse recorte.
O Jornal da 3ª Idade conversou com dois especialistas aptos a falar sobre o tema: o analista socioeconômico do IBGE em São Paulo, Jefferson Mariano, que é doutor em Desenvolvimento Econômico, pela UNICAMP, que explica o uso do marcador do Censo 2022.
A demógrafa Dália Elena Romero Montilla, coordenadora do Grupo de Informação em Saúde e Envelhecimento da Fiocruz (GISE–FIOCRUZ) e também do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES) que discorda do IBGE não considerar oficialmente os números das pessoas idosas a partir dos 60 anos.
Jornal da 3ª Idade – Muitos profissionais da área do envelhecimento se mostraram insatisfeitos com a publicação do Censo 2022, no recorte 65+, como o de pessoas idosas no Brasil, sendo que o Estatuto da Pessoa Idosa determina a partir de 60 anos. Por que saiu assim?
Dr. Jefferson Mariano, do IBGE de SP – O índice de envelhecimento é um indicador derivado, uma razão, que considera os 65+ para efeito de comparabilidade, em relação às demais faixas etárias. Esse recorte foi usado no Censo de 2000 e no de 2010 e precisamos acompanhar as taxas anteriores para fazer as comparações. Também podemos assim estabelecer comparativos internacionais.
Jornal da 3ª Idade-Como as pessoas podem trabalhar com dados da população idosa que consideram 60+, ou seja, com cerca de 10 milhões de indivíduos a mais, quando ao citar os dados oficiais terão que considerar 65+?
Dr. Jefferson Mariano, do IBGE de SP – O Estatuto considera 60+ e o IBGE tem a estratificação das populações por todas as faixas etárias. Inclusive as pesquisas sobre o mercado de trabalho acompanham de 50 a 60, e por décadas adiante. Só no Censo é que o índice é 65+, mas os dados de 60+ estão disponíveis. Temos que considerar também a forma como a imprensa está divulgando isso. Deveriam estar considerando o envelhecimento incorporando os 60+ que estão lá na pesquisa.
Jornal da 3ª Idade- O senhor trabalha num órgão oficial e sabe que os gestores de políticas públicas se baseiam em dados oficiais. O que os estudiosos do envelhecimento estão reclamando é que ao fazerem projetos e estudos terão que trabalhar com os números oficiais de 65+ que são os divulgados. Dependendo da região do país os índices ficam muito aquém.
Dr. Jefferson Mariano, do IBGE de SP – O indicador é expresso dessa forma para que tenhamos a comparabilidade internacional. O que é importante destacar que os veículos, que as pessoas que tratam da disseminação da informação passem a usar a terminologia adequada. Um é o indicador que dá o índice de envelhecimento e o outro é a proporção de pessoas idosas no Brasil. Assim temos um número absoluto de pessoas idosas e outro que é o percentual de pessoas idosas. Temos assimetrias, então os gestores além de olhar o índice de envelhecimento têm que observar a proporção de pessoas idosas na cidade. É importante olhar a pirâmide etária por faixas, não só as que já são idosas, mas também as que estão perto.
Jornal da 3ª Idade– O indicador 60+ já está calculado?
Dr. Jefferson Mariano, do IBGE de SP – Não calculamos até para não causar confusão. Calcular outro índice de envelhecimento, considerando a população de 60+ pode causar mais confusão do que esclarecer.
Jornal da 3ª Idade– Por que a senhora discorda da divulgação do índice de envelhecimento a partir dos 65+?
Dr.Dalia Elena Romero Montilla, coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Nós do CEBES soltamos uma Nota que pede para que a lei seja cumprida. Nenhuma lei caiu do céu, todas elas são conquistas. Estamos comemorando em 2023 os 20 anos do Estatuto da Pessoa Idosa, que não é um guia orientador, mas sim uma lei para ser obedecida. Sabemos que em alguns Estados existem políticas para 65+ ou mesmo 70+, mas a referência tem que ser a lei. Nossa intenção não é questionar a estatística, mas temos que deixar claro que pessoas idosas no Brasil são as de 60+. Então minha opinião como demógrafa é que o IBGE poderia chamar esse recorte de qualquer outro nome e não de pessoas idosas.
Jornal da 3ª Idade- A senhora acredita que a nomenclatura pode afetar as políticas públicas?
Dr.Dalia Elena Romero Montilla, coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Eu não sei dizer como diretamente vai afetar, mas como professora de uma disciplina que se chama Sociologia da Informação, onde estudamos os impactos das divulgações no imaginário coletivo, nas políticas públicas, na sociedade, afirmo que dados de uma estatística são também formadores de opinião. Não sei porque colocaram 65+, mas devo me preocupar, porque existe uma proposta já colocada, de mudança para que as pessoas idosas no Brasil sejam consideradas de 65+.
Jornal da 3ª Idade- Qual seria o impacto imediato de uma alteração dessa natureza?
Dr.Dalia Elena Romero Montilla, coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – Expresso aqui minha opinião como professora, não estou falando como FioCruz. Não é novidade para ninguém o quanto o Brasil é um país socialmente desigual. Na Conferência de Saúde, que aconteceu em agosto, a delegação que representava o envelhecimento conseguiu aprovar um documento chamado “O direito de envelhecer no Brasil”. O direito de chegar aos 60 anos não é de todos. Muitos indígenas morrem ao chegar aos 40 anos. Homens negros em favelas também tem dificuldade de passar dos 60 anos. Então querer usar o marcador de 65+ porque na Europa isso é comum, ou mesmo em algumas regiões do Brasil já se passa dos 70 não é justo para com todos, se queremos diminuir a desigualdade. Por isso é delicado, nesse momento, chamar de pessoa idosa, quem tem 65+. Eu tenho muito carinho pelo IBGE e escrevi vários artigos defendendo o CENSO. Eu não discordo do índice ser feito para 65+, não é adequado mas não é incorreto. O que discordo é chamar de pessoa idosa a partir de 65 e mais.
Jornal da 3ª Idade- Sendo o IBGE um órgão do governo, não deveria estar trabalhando em conjunto com a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa?
Dr.Dalia Elena Romero Montilla, coordenadora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – O IBGE era uma instituição acostumada a trabalhar com parcerias. Então para apresentar os dados poderiam ter chamado o Conselho Nacional dos Direitos Humanos ou mesmo a Secretaria Nacional. Não estou contra os recortes de estatísticas, cada um tem liberdade de fazer a sua. Discordo da maneira como essa foi apresentada.