Fechando o Mês da Consciência Negra o Jornal da 3ª Idade publica a entrevista com a professora de música Maria Apparecida Amaral da Silva, de 93 anos, do Grupo Mariama, criado em 1993, por iniciativa de militantes do Movimento Negro de SP. Na ocasião, a motivação era promover uma participação maior dos idosos negros em atividades para a terceira idade.
Dona Cida, como todos a tratam, é moradora do bairro da Vila Gomes, na Zona Oeste da Capital, em São Paulo, tem 4 filhos, 5 netos e 3 bisnetos. Ela recebe sempre, todas as pessoas, com um largo sorriso e nunca se nega a uma boa conversa, em qualquer lugar da cidade de São Paulo.
O bate-papo foi numa sala do Sindicato dos Artistas de SP, minutos antes de começar o ensaio da Bateria da Terceira Idade, que tem sido sua principal atividade, desde a volta da quarentena. Ela falou de vários assuntos que revelam a diferença que ainda existe nos espaços dos negros da sociedade. Lembrou que a conquista dos jovens negros não espelha o mesmo espaço entre os mais velhos. Para ela ainda hoje justifica existir um grupo de senhoras negras da terceira idade.
Jornal da 3ª Idade – A senhora sempre fala da música como a sua maior paixão. Desde quando a senhora se interessou pela música?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP– Desde sempre. Comecei a estudar música com 12 anos. Fiz o curso inteiro de piano, mesmo sem ter piano em casa.
Jornal da 3ª Idade– A senhora ia em um Conservatório ou na casa de alguém?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP – No começo eu estudava com as freiras vicentinas, na Alameda Barros, no Centro. Fiquei com elas quatro anos. Minha mãe queria que eu fizesse um curso num conservatório e foi tentar me inscrever no Conservatório Dramático, mas eles exigiam que os alunos tivessem o ginásio. Eu não tinha, minha mãe achava que depois do primário não tinha mais necessidade de continuar estudando. Ela queria que eu me dedicasse a estudar música.
Jornal da 3ª Idade– Qual era a sua idade? De que ano estamos falando?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP – Eu tinha 12 anos, são fatos que aconteceram há 81 anos, numa São Paulo muito diferente. Depois de muita procura, o único que aceitou sem o ginásio foi o Conservatório Carlos Gomes, que funcionava na Rua da Glória. Eles exigiram uma prova de capacitação. Passei e entrei no quinto ano. Era uma escola particular, mas com o passar do tempo minha mãe conseguiu uma bolsa de estudos. Estudei até os 22 anos, ficava sem almoçar para poder fazer mais horas de aulas. Formada passei a dar aulas lá mesmo até que fui para o Pró-Música, que era na Rua Domingo de Morais, um lugar maravilhoso. Continuei por muitos anos dando aula e só parei quando começaram a vir os filhos.
Jornal da 3ª Idade – A senhora atualmente usa seus conhecimentos como componente da Bateria da Terceira Idade do CRECI-Centro de Referência do Idoso, da Prefeitura de São Paulo. Como está sendo viver essa experiência?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP – Na verdade, a Bateria representou um novo aprendizado na minha vida. Foi com o Zuza, o nosso Mestre da Bateria, que comecei a aprender sobre percussão. Eu desconhecia os instrumentos, como o Surdo de Primeira, o Surdo de Segunda. Desde 2008 que estamos nos aprimorando.
Jornal da 3ª Idade– E a sua atuação no Grupo Mariama?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP – Quando comecei a frequentar o Mariama o grupo já existia. Ele começou em 1993, nas dependências do Conselho da Comunidade Negra, por iniciativa de várias pessoas que sentiam a necessidade de um grupo de terceira idade que falassem das suas necessidades no envelhecimento. A Norma era a presidente e o senhor Expedido era o vice-presidente. Entrei em 1995, eles já tinham 2 anos de caminhada. Em quase três décadas, fui três vezes presidente do Grupo Mariama.
Jornal da 3ª Idade – A senhora acredita que a criação do Grupo Mariama fez diferença na vida das pessoas idosas negras? Ainda hoje ele tem um papel diferenciado?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP – Naquela época fez muita diferença, principalmente para as mulheres. Os homens sempre foram poucos. A maioria das mulheres daquela época eram antigas cozinheiras, faxineiras, pessoas que tinham trabalhado em casa de famílias brancas e que continuavam muito tímidas em relação ao seu espaço. Elas tinham que trabalhar a autoestima. Era muito comum num grupo de diferentes pessoas elas se colocarem atrás, afastadas, porque essa tinha sido a sua história de vida. No grupo elas passaram a fazer Dança Afro, a participar de oficinas de pinturas com a Zulmira. O grupo começou a viajar, a ir para festas no Interior, a frequentar hotéis, a oferecer oportunidades que a maioria nunca tinha nem sonhado.
Jornal da 3ª Idade– Atualmente com a postura dos jovens negros abrindo novos espaços de fala e mesmo com a maior visibilidade nas campanhas nas mídias, existe espaço para um grupo de terceira idade somente de pessoas negras?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP– Sim, ainda justifica um grupo de mulheres negras. Sem dúvida que o momento é diferente, os jovens conquistaram muitos espaço e ainda têm muitos outros para ocupar, mas os mais velhos tem suas próprias demandas. É diferente a gente chegar num grupo para expor nossos lamentos familiares. Existem muitas questões que são particulares do envelhecimento dos negros. Mesmo a Irmandade do Rosário, criada na primeira metade do século XIX, que resiste na Igreja Nossa Senhora Do Rosário Dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu, só tem velhos, muitos já doentes. Precisamos que os jovens se interessem para não deixar morrer essa parte importante da nossa ancestralidade. Está difícil atrair os jovens.
Jornal da 3ª Idade– O Grupo Mariama usa como sede o porão da Igreja de Santa Efigênia. Desde quando estão lá?
Dona Cida, do Grupo Mariama de SP – Nos primeiros anos o Grupo Mariama se reunia na sede do Conselho da Comunidade Negra que ficava no prédio dos conselhos na Rua Ministro Godoy. Quando começamos a nos registrar como entidade, a fazer passeios e outras atividades, pediram para que saíssemos. Então pedimos para o antigo padre da Igreja de Santa Ifigênia, que nos abrigou e estamos lá até hoje. Temos tido dificuldades de retomar as reuniões, principalmente depois da pandemia. Muitas estão doentes, com dificuldades de locomoção. A Maria Lija Rosa, atual presidente do Grupo Mariama, filha da Ligia Amaral que foi uma das fundadoras é que está na resistência.