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Liga-ibero americana contra o Idadismo será criada hoje 14/2 numa reunião online

Alexandre Kalache em foto produzida pela Casa Vogue, antes da pandemia.

O médico brasileiro Alexandre Kalache, um dos mais conhecidos Gerontólogos do mundo, que aos 76 anos já passou mais da metade da sua vida trabalhando pelo envelhecimento com qualidade da vida dos outros, em todos os continentes, começa hoje mais uma empreitada, ao liderar a formação da Liga Ibero-americana  contra o Idadismo. Uma reunião online às 18 horas vai procurar reunir pessoas de vários lugares para debater o assunto.

Embora tenha diminuído suas viagens desde o começo da pandemia, a facilidade das reuniões virtuais, imposta pela quarentena, aumentou seus encontros internacionais. Da sua trincheira, como se refere ao apartamento com uma bela vista para Copacabana, no Rio de Janeiro, ele também passou a participar mais de encontros nacionais.

Há 10 anos, em janeiro de 2012, numa entrevista que foi capa do Jornal da 3ª Idade, quando nossa publicação ainda circulava impressa, distribuída em todo o Estado de SP e nos principais eventos do país, Kalache criticou a falta de representatividade dos idosos.  A conversa tinha sido feita dois meses antes, em Brasília, nos bastidores da 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa. 

Nesta conversa, uma década depois, ele afirma que não se deve ficar glorificando o passado, mas que os retrocessos na área do envelhecimento, determinam que os próximos anos serão muito duros no trabalho de reconstrução. 

O movimento dos idosos tem que ser suprapartidário. Não tem nada a ver com azul, vermelho, esquerda ou direita. Ele não tem que ter cor. Se tiver que ter alguma é o grisalho, afirma Kalache.

Jornal da 3ª Idade – Quando o senhor deu a entrevista, há 10 anos, sua crítica destacava que nas conferências e movimentos de defesa dos idosos tinham mais representação de jovens e profissionais da área, do que propriamente lideranças de idosos. O senhor acredita que isso mudou no Brasil?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade– Mudou sim, para pior.          Há 10 anos tínhamos muitos problemas, muitas coisas para construir, mas também tínhamos o conforto de falar de direitos como uma coisa natural. Não se cochichava a palavra direitos. Estávamos empoderados. Mesmo quando os idosos não estavam na mesa, podíamos cobrar. Hoje falar de direitos é sinônimo de ser esquerdista, comunista, vermelho, melancia. Esse pessoal que está aí, está trazendo o Brasil para baixo. Estamos falando de cidadania. Não tem nada a ver com azul, vermelho, esquerda ou direita. O movimento dos idosos tem que ser suprapartidário. Ele não tem que ter cor. Se tiver que ter alguma é o grisalho. Queremos que o direito das pessoas, à medida que elas envelhecem, prevaleçam. Para isso é preciso empoderamento.

Jornal da 3ª Idade – Esse retrocesso além de dificultar o exercício da cidadania dos idosos pode piorar o trabalho com os jovens?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade –  Precisamos trazer a mensagem central que as pessoas jovens não percebem. No Brasil, continuamos pensando que o velho é sempre o outro, que essas questões não têm nada a ver comigo. Os jovens precisam saber que podem se surpreender um dia e quando olhar no espelho do banheiro ver o pai nele mesmo. Isso é a ressignificação do envelhecimento. Num país hedonista isso é muito difícil. As pessoas vão empurrando com a barriga literalmente. Por isso digo que estamos pior que há 10 anos. A mobilização para falar de direitos é totalmente contra o veio da madeira com que é feito esse governo hoje no Brasil. Tínhamos o CNDI- Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, que não tem mais direito coisa nenhuma. Esse conselho não me representa.

Jornal da 3ª Idade – O que podemos esperar para os próximos anos?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade –  Estamos pior que há 10 anos e vamos levar tempo para reconstruir. Ninguém deve esperar por milagres, porque a sociedade civil está traumatizada, sofrida e desfalcada de recursos. Ninguém pode glorificar o passado e dizer que estava tão bom. Tinham falhas e queríamos suplantá-las. Agora vamos ter que voltar onde estávamos. Então teremos as pendências que já existiam, o esforço de recuperar o atraso e ainda ter que avançar.

Jornal da 3ª Idade – Em janeiro passado, o Estatuto do Idoso completou 18 anos em vigor e a Política Nacional do idoso fez 28 anos de criada. Ainda lembrando a conversa de 2012, o senhor dizia que o processo de mobilização para conferências para debater as questões dos idosos só existia no Brasil. Atualmente outros países já realizam ações semelhantes. Os EUA que faziam a cada 5 anos passaram a realizar sua Conferência a cada 3 anos. O Chile promoveu encontros regionais. A Argentina e o Uruguai caminham num processo distrital. Qual a sua opinião hoje, fazendo uma comparação?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade– Não dá para comparar, porque se por um lado pioramos enquanto Brasil, os demais países, nesse quesito, mesmo tendo avançado ainda não chegaram no estágio que já tínhamos conquistado com a organização das conferências. No Brasil, apesar das dificuldades, das falhas e dos vícios que sabemos que aconteceram, ainda assim conseguimos fazer um processo participativo. As pessoas se mobilizaram e iam com pautas preparadas e discutidas. O Chile, apesar de estar vivendo um momento  diferente de participação, quando fez os seus encontros ainda era o Estado que dava as cartas. O Chile é um país que precisa ser acompanhado. É o único país da América Latina onde a maioria dos ministérios está com as mulheres e o presidente é de outra geração. Isso tudo está quebrando paradigmas.

Jornal da 3ª Idade – No Chile a polarização política também é tão forte quanto no Brasil, no entanto, parece que o diálogo, com as forças políticas, está mais acessível. Essa é uma leitura correta?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade – Tem outro aspecto que a gente carece no Brasil. Apesar de toda polarização no Chile, duas coisas são importantes: quando se olha para as desigualdades, eles melhoram e nós pioramos. Quando se pensa na concentração de renda ou no Coeficiente de Gini, que mede a desigualdade, tanto a direita como à esquerda de lá, têm a percepção que a desigualdade é ruim para todos. O que pensar quando sabemos que em plena pandemia o Brasil acrescentou 47 bilionários na lista dos mais ricos do país? O 1% dos mais ricos da população brasileira, comanda 49.6% da riqueza nacional. Não dá para aceitar isso. Por isso eu disse no começo da nossa conversa que a questão não pode ser tratada como direita ou esquerda, mas com a possibilidade de uma conversa madura e inteligente. Eu sentei para conversar com a ex-primeira dama do Chile, uma mulher inteligente e de direita. Mesmo não acreditando nas mesmas coisas, havia a possibilidade de diálogo.

Jornal da 3ª Idade – Muitas pessoas idosas organizadas em grupos e associações de base estão sentindo um retrocesso nos projetos e programas que lhes garantam direitos e oportunidades em Cultura, Lazer, Moradia, Educação e outros. O senhor liderou um movimento afirmando “Velhice Não é Doença”, mas 95% dos assuntos dos conselhos e fóruns só trata de Saúde. Na sua opinião essa é uma sequela da pandemia da COVID-19 ou deficiência na representação dos idosos?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade – Quando se vive num país onde as condições são tão precárias, o que mais mobiliza é mesmo a Saúde. Quando se fala nos pilares do envelhecimento ativo, que eu não quis chamar de envelhecimento saudável, apesar da pressão que sofri, quando eu era da OMS, se fala de Sáude. Aliás, acho um retrocesso a OMS voltar a falar em envelhecimento saudável, porque aí sim privilegia só falar de Saúde. O “Velhice não é doença” apresentou uma possibilidade de falar de uma forma suprapartidária. No meu artigo na Folha de S.Paulo já lancei o “Velhice não é Doença 2.0”, para exatamente mostrar que tem uma continuidade. Também o 2.0 é uma forma de mostrar que existe um diálogo aberto com a geração que vem atrás. Temos que mostrar para os jovens que a luta contra o Idadismo é para todos. A luta contra o racismo não é só do negro. A luta contra o sexismo não é só das mulheres. Temos que acabar com todos os ismos. 

Jornal da 3ª Idade – Qual o propósito dessa Liga Ibero-americana contra o Idadismo que está sendo criada e que terá a live inaugural hoje a noite, com a sua liderança?

Dr. Alexandre Kalache, presidente do International Longevity Center-Brazil e desde 2015 co-presidente da Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade – Tudo que existe hoje de documentos, relatórios, estudos e a maior parte das publicações acaba sendo dominado pela língua inglesa. Um pouquinho em francês, alguma coisa em espanhol e tivemos avanços na gerontologia brasileira. No entanto, o mundo continua valorizando o que existe na língua inglesa. Então, o que queremos, é falar uma linguagem num mundo cultural mais nosso. Tem muita coisa acontecendo na Espanha, muita coisa acontecendo em Portugal, várias coisas na América Latina. No Brasil continuamos a trocar figurinha com os autores que publicam em inglês. No relatório global sobre preconceito de idade, do ano passado foi comparado o Idadismo do jovem com o das pessoas idosas, colocando no mesmo nível. Isso só foi publicado assim porque existem muito mais trabalhos na Europa e Estados Unidos sobre os jovens. Têm mais dinheiro na União Européia para fazer pesquisa sobre jovens. A forma como encaram o envelhecimento é produtiva. Então acaba reforçando. Então vamos trazer o que existe de bom nas fronteiras ibero-americanas, traduzir e ofertar para muita gente que não consegue ler a língua. Mas não será apenas uma tradução, que isso o Google faz. Será uma leitura crítica do que existe. Há um mês estive em Portugal e na Espanha discutindo com os parceiros. Também mobilizar os novos recursos e ficar menos dependente dos anglo-saxões. Tem fundações nos países ibéricos que podem nos tirar dessa dependência.

Entrevista de 2012 em Brasília.